Greve e o Soldado

 Cantando a história: a greve geral subiu aos palcos dos teatros de São Paulo em 1917


Para muitos pesquisadores, musicólogos e historiadores sempre pareceu estranho que a música popular brasileira, marcada pela crônica dos principais acontecimentos políticos e sociais do país, não tivesse produzido uma só canção sobre a grande greve geral de 1917, que parou São Paulo. 

O movimento, reunindo cerca de 30 mil operários, em sua maioria emigrantes italianos e espanhóis, durou quase um mês e, apesar de violentamente reprimido, foi parcialmente vitorioso. Obrigou as grandes fábricas a conceder aumentos salariais de 20%, readmitir os grevistas afastados, suspender o trabalho noturno feminino e acabar com o trabalho para menores de 14 anos. A polícia teve de libertar os trabalhadores presos.

Cento e sete anos depois, uma ótima notícia. Foi descoberto e gravado o tanguinho “Greve e o Soldado”, cantado na revista de teatro “Sem tirar nem por”, com texto de Jorge Domingues e música do tenente Benedito Assis Lorena, que estreou no Teatro Boa Vista, em São Paulo, em dezembro de 1917. 

Ao que tudo indica, trata-se da única canção sobre o movimento paredista produzida pela indústria cultural da época no calor dos acontecimentos: um dueto entre a Greve, moça determinada que defendia seus direitos, e o Soldado, truculento desde a primeira fala. “Vá-se embora, sua greve? Se não entra no pau já!”, diz ele. Mas a mulher, longe de se intimidar, responde no mesmo tom: “Fique sabendo que em breve/ Você vai ter no Araçá”, numa referência a um dos principais cemitérios paulistanos.

A descoberta dessa preciosidade foi feita pelo jornalista Franklin Martins. Nas pesquisas do Volume Zero da sua obra “Quem foi que inventou o Brasil?”, ele encontrou nos arquivos de José Ramos Tinhorão, disponíveis no Instituto Moreira Salles, a cópia de uma partitura impressa na época pela Casa Bevilacqua, em SP, que, sob o título da revista de teatro intitulada “Sem tirar nem por”, trazia, na verdade, o tango “Greve e o Soldado”. 

Já a primorosa gravação dessa joia perdida no tempo deve-se à Márcia Tauil (voz), Tico de Moraes (voz) e Farlley Derze (piano), músicos de longa e brilhante trajetória, sediados em Brasília, com produção artística de JG Junior. O registro da canção pode ser ouvido no site www.quemfoiqueinventouobrasilcom. Basta entrar na aba “O livro e o site” e, em seguida, na aba “E tem mais”. 

Maiores informações sobre os intérpretes podem ser encontradas em  http://farlleyderze.com, www.ticodemoraes.com e marciatauil.blogspot.com.


Por que essa canção encontrava-se perdida? Talvez porque São Paulo tenha chegado ao teatro musicado ligeiro várias décadas depois do Rio de Janeiro. A primeira revista de teatro paulista data de 1899 e, pelo menos até meados da década de 1910, as principais peças musicadas apresentadas na capital paulista vinham do Rio ou do exterior. O tenente Lorena foi um dos principais compositores do teatro musicado ligeiro paulista entre 1917 e 1921. 

Registre-se também que até a metade da década de 1920 a indústria fonográfica estava muito centrada no mercado de discos do Rio de Janeiro, o que talvez explique o fato de o tanguinho não ter sido gravado na época.












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